
Especialista em experiência do consumidor e atendimento ao cliente alerta, contudo, que o cliente insatisfeito pode criar um produto próprio para concorrer
Por: Rodrigo Carro
Cuidado com o cliente insatisfeito, alerta a norte-americana Kerry Bodine. Mais do que falar mal de uma determinada mercadoria ou serviço, ele pode criar um produto próprio para concorrer com algo já existente, suprindo falhas. “Uber, Airbnb, essas companhias começaram porque as pessoas disseram: ‘Acho que há uma maneira melhor de fazer isso’”, resume a especialista em experiência do consumidor, co-autora do livro “Outside In: The Power of Putting Customers at the Center of Your Business”. Kerry participou do Congresso Nacional das Relações Empresa-Cliente, em São Paulo.
Nunca na história da humanidade, as corporações tiveram tanto poder, mas em seu livro você argumenta que vivemos a Era do Cliente. Você enxerga alguma contradição entre este fortalecimento do cliente e a globalização de companhias e produtos ?
Sim, você está certo em adotar um ponto de vista histórico. Quando você olha para trás e vê o surgimento da era industrial, antes desta época, as companhias eram muito menores e também tinham conexão mais direta com seus clientes no dia a dia. À medida em que nos industrializamos e construímos linhas de montagem, redes globais, foi necessário criar uma estrutura enorme de administração, para lidar com isto e apoiar estas organizações. Foi necessário ainda uma especialização: pessoas especializadas em finanças, tecnologia… Minha visão é de que focamos em nos tornarmos organizações eficientes. E a eficiência é realmente importante. Se você tem (uma empresa com) duas ou três pessoas, pode se dar ao luxo de ser um pouco ineficiente. Se você é uma organização global com 100 mil, 300 mil empregados eficiência é muito, muito cara. Nós focamos em gerar eficiência dentro das nossas organizações mas, na verdade, fizemos um trade off. Trocamos um maior contato e um entendimento realmente profundo do cliente a fim de criar essa eficiência. Agora, estamos numa era em que os clientes têm mais poder do que já tiveram. As organizações são maiores, mas os clientes têm mais poder do que nunca, por causa de coisas como as redes sociais, a disponibilidade de tecnologia. Um monte de gente, especialmente na Califórnia, onde eu vivo, se as pessoas não gostam de um produto vão fazer seu próprio produto. Elas dizem: “Oh, não gosto de como isso funciona, então vou fabricar eu mesmo um novo produto”. Não sei se vocês têm no Brasil sites do tipo Kickstarter e Indiegogo, de crowdfunding…
Temos, sim.
Se eu tenho uma ideia, consigo dinheiro para torná-la realidade. Tenho acesso, como uma pessoa comum, a processos de manufatura de forma bem barata. Então, seja lá o que você estiver desenvolvendo, software, serviços ou algum tipo de produto físico, os consumidores têm poder não apenas para dar voz a seus problemas, mas também para criar uma companhia capaz de competir (com as já existentes). Vemos companhias como a Uber, em que você não paga ao motorista. A cobrança é feita no cartão de crédito cadastrado. Um dos problemas nos Estados Unidos é que muitos taxistas não aceitam cartão crédito, eles querem dinheiro. E nos Estados Unidos há também a questão da gorjeta para os taxistas. Uber, Airbnb, essas companhias começaram porque as pessoas disseram: “Acho que há uma maneira melhor de fazer isso. Não temos de aturar motoristas mal-humorados que não querem aceitar cartão de crédito.”
Por que você diz que “fontes anteriores de vantagem competitiva têm sido comoditizados”? Quais são as consequências deste movimento para a “comoditização”?
Antes, as companhias que fossem capazes de construir a maior e a melhor fábrica, venciam. Em parte, a razão de Henry Ford ter sido tão bem-sucedido foi a criação da linha de montagem. Agora, se eu quiser criar um produto posso procurar uma fábrica para produzí-lo para mim. Posso ir fisicamente até a China ou encontrar alguma coisa online e mandar o projeto (pela web). É só a comunicação, a internet. Nesse caso, não são tanto as redes sociais, mas a disponibilidade de informações e serviços online. E a possibilidade de pegar um avião e estar na China em 12 horas, visitando uma fábrica. Qualquer um pode fazer isso. A impressão 3D é a próxima grande onda dessa tendência, que vai nos levar mais adiante. O oceano azul inexplorado lá fora é descobrir as necessidades invisíveis do seu cliente, as que estão escondidas, e criar produtos e serviços que atendam a estas necessidades para depois proporcionar uma experiência que faça seus clientes te amarem e quererem fazer negócios com você.
Como as redes sociais podem melhorar a experiência do consumidor, sua lealdade e as vendas das empresas?
Pelo fato de muitas pessoas estarem nas redes sociais, elas são uma grande fonte para pesquisa com consumidores. Você pode ir até o Facebook, o Twitter, sites que publicam comentários online e ver o que seus clientes dizem de você. É uma grande fonte para entender quais são os pontos principais da experiência, saber sobre o que seus clientes estão falando, o que querem, do quem necessitam. É também uma grande oportunidade de interagir com seus clientes. Os consumidores esperam ser auxiliados através desses canais de mídia social. As pessoas não entram mais nas redes sociais e dizem: “Oh! Você sabia que a Delta (Airlines) está no Twitter”. Elas dizem: “Você está no Twitter, então vai me ajudar”. Essa é a expectativa.
Por que devemos acreditar que clientes satisfeitos geram acionistas satisfeitos, conforme a sra. defende?
Isso realmente se resume ao aumento no faturamento das empresas decorrente da lealdade dos clientes. Uma pesquisa da Oracle mostra que cerca de 80% dos clientes estariam dispostos a pagar mais por uma experiência melhor. Os dados mostram que o consumidor estaria disposto a pagar um prêmio de 5% por uma experiência melhor. Cerca de 70% dos consumidores deixaram de comprar de uma companhia após receberem um serviço ao cliente ruim. E 64% trocaram de companhia depois disso. Na minha apresentação, mostro dados do Índice Americano de Satisfação do Cliente.Eles têm um portfólio de ações baseado em companhias que têm altos índices de satisfação que supera muito a performance do S&P 500. Há muitos dados que comprovam que clientes satisfeitos realmente levam a grandes retornos para a companhia.
Normalmente, ao cortar custos as empresas costumam piorar seu atendimento…
Quando as companhias tendem a adotar uma perspectiva puramente de corte de custos, quase sempre acabam desagradando seus clientes, enfurecendo-os.´ Certamente há maneiras de cortar custos no atendimento ao cliente que mantém experiências positivas para o cliente.Mas você tem de analisar toda a trajetória do cliente, enxergar quais áreas da experiência talvez sejam menos importantes. Quando as pessoas pensam em agradar os acionistas por meio de cortes de custos, (geralmente) acabam sendo soluções pontuais isoladas, que não levam em consideração um ecossistema maior.
Mas é impossível agradar a todos os clientes ao mesmo tempo…
Você não deve tentar fazer todo e qualquer cliente feliz, em todos os pontos de contato com ele, porque alguns clientes são mais lucrativos ou mais valiosos para a organização. Do ponto de vista do negócio, não se trata disso ( de fazer todos felizes). Se trata de fazer os clientes felizes onde isso vai aumentar o valor do negócio de fato.
Qual o papel do CIO (diretor de tecnologia) neste cenário?
A tecnologia é realmente importante , mas não vai, por si própria, resolver o problema da experiência do consumidor. É uma grande facilitadora. Primeiro, oferecendo tecnologia voltada para o consumidor que vai ajudar seu cliente a interagir com você online ou por meio de um aplicativo móvel. Isso é muito importante: é a maneira como os clientes querem interagir com as companhias hoje. Mas os empregados precisam contar com as ferramentas adequadas para tratar com os clientes. Ter informações sobre os clientes, dados, políticas. Precisam se comunicar uns com os outros.
Como você acha que a experiência do consumidor proporcionada pela Apple é diferente daquela oferecida por seus concorrentes?
A Apple foi uma das primeiras companhias a perceber o quão importante é a experiência do usuário e do consumidor. Não é só algo do tipo: “Quero ter uma caixa no meu bolso que toca música”. É algo como: “Quero ter uma produto tecnológico com design <MC0>realmente de alto nível. A tecnologia de dispositivos vestíveis, como a dos relógios inteligentes, vai entrar muito em breve no terreno da experiência do cliente. E vai ser muito diferente, porque — assim como tomamos muito cuidado para nos vestir hoje — não vai ser suficiente ter uma peça de tecnologia que vamos prender no nosso pulso. Vamos querer ter algo que realmente reflita quem nós somos. A Apple foi a primeira a perceber que o design e a experiência realmente importam. E também uma das primeiras a perceber que precisa haver um ecossistema inteiro trabalhando em harmonia para fazer a experiência do consumidor funcionar direito. Se você tiver uma experiência positiva na loja mas um serviço ao cliente fraco, vai ter uma imagem desarticulada da marca. A Apple não é perfeita. Muitas pessoas reclamam do iTunes. E certamente eles prestam atenção mais em alguns produtos do que em outros. Mas, no geral, eles percebem a importância da continuidade da experiência entre os pontos de contato com o consumidor, entre os canais, e percebem que é um ecossistema.
Muitas companhias tentam copiar a Apple, mas não conseguem…
Sim, muitas querem copiá-la, mas não querem fazer o trabalho pesado de mudar seus ecossistemas.
A Sra. acha que o omnichannel é uma tendência irreversível?
Nós não percebemos como a tecnologia vai estar ao nosso redor e em nós, a todo momento, no futuro. Quando nós entrarmos numa agência bancária, vamos ter toda essa tecnologia em nós e faz todo sentido integrar a experiência com tudo que estivermos usando e acessando. Omnichannel é um pouco a palavra da moda, mas representa a necessidade de entendermos todos esses pontos de contato com o cliente devem ser combinados para gerar a experiência adequada a cada um, com uma transição sem problemas entre eles. Com certeza, o omnichannel é uma tendência inevitável, embora não seja viável para muitas companhias hoje em dia.
Fonte:http://www.televendasecobranca.com.br/qualidade/voce-nao-deve-tentar-fazer-todos-os-clientes-felizes-37261/
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