O negócio dos NPL, ou créditos não performantes, está a crescer. A DomusVenda foi pioneira no negócio e o CEO da companhia, João Costa Reis, realça que a empresa gere uma carteira de ativos no valor de 5,2 mil milhões de euros.
O João Costa Reis, com a DomusVenda, foi o grande pioneiro e líder de mercado da recuperação de créditos em Portugal mas agora parece menos ativo. O mercado dos NPL já não o atrai?
A discrição não significa inatividade ou desinteresse e, pelo contrário, continuamos muito interessados em continuar a desenvolver o negócio. Recordo que a nossa posição de mercado ainda é muito forte, porque a DomusVenda gere uma carteira de ativos no valor de 5,2 mil milhões de euros, correspondentes a mais de 50 mil créditos vivos. Temos preferido acompanhar os eventos mais recentes do setor financeiro numa posição de menor exposição, mas estamos no mercado e certamente cresceremos no próximo futuro.
Isso quer dizer que a DomusVenda está ativa e a posicionar-se para adquirir carteiras de NPL à banca?
A DomusVenda está, sem dúvida, ativa, não só na gestão do seu património mas também no mercado, analisando as oportunidades que aparecem. Posso dizer que a nossa longa e rica experiência neste setor permitiu-nos criar plataformas informáticas e desenhar operativas que hoje têm um valor crítico para a atividade. É importante dizer que os nossos softwares ajudam muitas entidades a fazer uma recuperação de créditos em modelos de eficácia comprovada e isso para nós também é negócio.
Que diferenças assinala no negócio atual versus o negócio de há cinco anos e versus o negócio pré-crise Lheman Brothers?
O mercado cresceu e está muito mais maduro. Também foi possível aprender com a evolução da situação financeira e desenhar operativas mais profissionais e eficazes. No nosso caso, que praticamente inventámos este negócio em Portugal, temos usado a nossa experiência para desenhar tecnologias de suporte que são de enorme relevância para os resultados a obter. O nosso know how converteu-se em inteligência sintética, integrada em sistemas de software que nos dão uma significativa vantagem competitiva. Algumas das maiores operações de recuperação de créditos correm nos nossos sistemas e são apoiadas no nosso conhecimento técnico e orientação estratégica.
A banca está em grandes dificuldades, com volumes de NPL que se revelam catastróficos. Acha que a venda de ativos de risco elevado a fundos de recuperação cumpriu as expectativas dos bancos?
Curiosamente, estive na origem do primeiro fundo de recuperação de créditos e creio que esses fundos desempenharam um papel importante na altura própria. Contudo, hoje há um sentido de maior urgência na obtenção de resultados e creio que os bancos estarão cada vez menos disponíveis para estratégias de gestão que privilegiam o médio e longo prazo. Na perspetiva de rapidez na venda dos ativos e controlo mais eficaz do custo das operativas de gestão parece-me que os fundos vão registar algumas dificuldades em manter o atual modelo. Mas é normal que, alterando-se as circunstâncias, se alterem também os métodos e os protagonistas, o mercado é dinâmico e todos querem realizar o seu interesse. E o interesse dos bancos hoje é bastante mais focado na rapidez de uma solução para os créditos e menos compassivos com abordagens de continuidade.
O que pressiona mais os bancos: liquidez ou capital?
A liquidez da banca nacional – e de outros países europeus – tem vindo a ser assegurada pelo BCE, em condições que todos conhecemos e que são enquadradas por uma política monetária que intencionalmente pretende que não haja um problema de liquidez na economia. Desse ponto de vista, a liquidez não é hoje, e continuará no curto e médio prazo, a não ser um problema. Já no longo prazo, a questão é mais complexa.
Mas o desafio estratégico fundamental de muitos bancos portugueses e europeus é exatamente a escassez de capital social e a inexistência de accionistas disponíveis para aportar mais capital numa situação de elevadíssimas perdas prováveis, por significativos stocks de créditos com problemas, que geram imparidades monstruosas, insuperáveis sem ajudas públicas. O cumprimentos dos rácios e obrigações conexas com a regulação são um desafio verdadeiramente exigente para os conselhos de administração de algumas instituições.
A venda de grandes portfólios em incumprimento é a solução para suprir esse tipo de necessidades?
A venda de “créditos não performantes” é uma opção estrategicamente correta, por variadíssimas razões financeiras – entra liquidez, esclarece e fortalece o capital – mas também por razões de sanidade organizacional. A verdade é que os bancos não nasceram para gerir créditos problemáticos em prazos longos, nem têm estruturas treinadas para entender e lidar com devedores em dificuldade extrema. Diria que os bancos fazem bem em livrar-se desse tipo de operativas e concentrarem-se naquilo que é a sua vocação natural – servir os clientes nas suas necessidades financeiras quotidianas e conceder créditos novos com o melhor juízo possível dos riscos e do preço desses riscos.
Qual o impacto nas empresas que se dedicam à compra e reabilitação de NPL derivado da queda do BPN, do BES e mais recentemente do Banif?
A crise do sistema bancário está a obrigar as instituições presentes no mercado a redesenhar o modelo de negócio e a aceitar a realidade, que é dura para todos, tanto para os credores como para os devedores. Uma das consequências da dimensão dos NPL nos bancos do sistema é a consideração de que tem de haver respostas extraordinárias a um fenómeno que também é extraordinário.
Num primeiro momento, os bancos tiveram a tentação de virar as suas máquinas de back office para a gestão dos NPL, numa tentativa de rentabilizar as estruturas existentes e, também, por essa via, evitar despedimentos. Depois parquearam, em entidades fora de balanço, grandes volumes de ativos com intenção de mantê-los no mercado, revalorizar e mitigar perdas no médio prazo.
Mas isso tem revelado uma insuficiência de resultados que já dissuadiu as principais entidades de prosseguir nessa via. As taxas de sucesso são demasiado baixas para o custo dessas estruturas e, além do mais, é uma entorse ao processo natural de regeneração da economia. Há, portanto, novas oportunidades para os operadores que possam afirmar a sua eficácia na obtenção de resultados.
Qual o grau médio de aproveitamento dos ativos bancários que estão em stresse? Na habitação, continua a ser possível converter créditos em incumprimento em créditos bons?
A taxa de recuperação depende muito da classe de ativos dados em garantia, do perfil do cliente e da história do próprio crédito. Em geral, diria que, quando há imóveis ou direitos reais como colaterais, é possível redesenhar a operativa de gestão da relação creditícia de modo a materializar uma boa percentagem dos interesses em presença, incluindo os interesses do devedor. Para uma empresa especializada em NPL, é importante focar no devedor e no interesse deste, salvando não apenas o interesse financeiro mas também a relação de médio e longo prazo.
Contudo, há tipologias de crédito de maior dificuldade, em que o gestor de NPL tem de ajustar as expetativas do credor ao realismo do contexto financeiro geral e focar-se no que é imediatamente viável, sem continuar a gastar tempo e dinheiro no que não tem potencial.
Dentro da categoria dos “non performing loans” cedidos pelos bancos, quais os tipos de ativos que aparecem?
Aparecem diversas tipologias de ativos, mas os ativos imobiliários continuam a ser os mais comuns e aqueles que garantem alguma amplitude à gestão de NPL, porque permitem uma eventual reestruturação dos processos de dívida com mitigação de perdas para ambas as partes.
Os valores pagos pelas carteiras estão a subir ou a cair? Qual o valor médio de uma carteira em volume e qual o valor de desconto aplicado?
Cada caso é um caso, não é aconselhável generalizar e tirar a bissetriz com impressionismo. Como se diz dos melões, também nas carteiras de NPL é preciso abrir e ver o que tem dentro antes de atribuir um valor. O que se pode dizer é que não há escassez de matéria-
-prima, pelo que a pressão está do lado de quem vende, não do lado de quem compra.
Mas o negócio tem de ser bom para as partes envolvidas e todos os parceiros da operação conhecem as regras, a realidade do mercado e as condições gerais dos devedores, pelo que a convergência é possível.
Os bancos continuam a ser os grandes fornecedores de créditos em stresse, ou têm emergido outras entidades do lado das vendas?
Os bancos são e continuarão a ser os grandes fornecedores de NPL para a recuperação especializada. De alguma forma nós tornámo-nos co-gestores dos processos de crédito bancário, sendo que a nossa ação se inicia quando a imparidade persistente retira à entidade bancária a perspetiva de um retorno adequado ao esforço de recuperação encetado pelo seu próprio back office.
Como é feita a gestão de um crédito em incumprimento?
Há uma componente reservada do know how de cada operador que não deve ser trazida para a partilha pública mas, de um modo geral, o que lhe posso dizer é que é preciso encontrar o equlíbrio possível entre a objetividade financeira da nossa ação e o valor estratégico da relação com o devedor. Este é, de longe, a parte mais importante neste negócio e não raras vezes ele vale mais que os ativos que eventualmente estejam implicados no processo de dívida.
Os devedores em regra desejam pagar o que devem, porque reconhecem a legitimidade de quem é credor e aceitam que apropriariam um benefício indevido se não devolvessem o que foi emprestado.
Com a UE a privilegiar os grandes grupos bancários em detrimento dos pequenos e com a reduzida margem da banca nacional para acomodar fracos crescimentos económicos e mais potencial incumprimento, que perspetiva tem para o setor no futuro?
O futuro dos bancos portugueses – ou dos bancos a operar em Portugal – passará, certamente, por novos patamares de integração, seja de âmbito nacional seja de âmbito europeu. Tenho a sensação de que se está a redesenhar o mercado, embora muitos protagonistas queiram arrastar os pés porque não sabem em que direção caminhar. O que é certo é que as forças que organizam o futuro não têm origem nem epicentro em Portugal; por isso, conviria sermos relativamente rápidos e discretos a fazer o que se impõe. Há um tema de custos, sem dúvida, mas há também um tema de proposta de valor, que tem de ser redesenhada e apresentada de modo conveniente aos clientes. Nessa matéria está muito por fazer.
Por Vítor Norinha/OJE
Fonte: http://www.oje.pt/